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Acordo de acionistas: entenda o que é e como funciona

O acordo de acionistas é um importante instrumento de governança das sociedades por ações, já que é por meio dele que os sócios podem estabelecer regras como direito ao voto, transferência de ações e eleição de administradores, por exemplo. O documento se refere diretamente às empresas denominadas Sociedades Anônimas, sejam de capital aberto ou fechado.

 

O que é o acordo de acionistas?

 

Previsto na Lei nº 6.404/1976, também conhecida como Lei das Sociedades Anônimas (LSA), o acordo de acionistas tem o objetivo de regular os direitos, deveres e responsabilidades dos sócios de uma empresa. O acordo pode ser celebrado por todos os sócios ou parte deles, tornando possível a existência de mais de um documento dentro da mesma sociedade, de acordo com as necessidades de cada companhia.

 

Embora não exista um padrão determinado para o acordo, existem alguns modelos e elementos fundamentais, como:

 

? Acordo de comando: define quem controla a organização por meio da composição da cadeia de comando, como se haverá ou não conselho de administração e outras definições. Inclui ainda previsões sobre alterações no estatuto, aumento do capital social, entre outros.

? Acordo de defesa: tem o objetivo de proteger os acionistas minoritários, evitando abusos dos controladores da empresa.

? Acordo de entendimento mútuo: procura equilibrar o interesse dos controladores e dos acionistas minoritários.

? Acordo de voto: determina como o direito de voto será exercido pelos acionistas.

? Acordo de bloqueio: procura evitar mudanças na composição societária da empresa.

? Acordo múltiplo: contempla diversas questões de interesse da empresa e dos acionistas.

 

Em geral, os acordos podem ser pontuais ou mais abrangentes, dependendo do contexto de cada empresa, mas o mais utilizado é o acordo múltiplo.

 

Principais elementos

 

O acordo de acionistas pode ser unilateral, quando há assunção de obrigações para apenas uma das partes, bilateral, gerando obrigações para ambas as partes, ou plurilateral, em que o objetivo é proteger um grupo de acionistas minoritários ou controladores.

 

Os principais elementos do documento são:

? Convocação de reuniões e assembleias;

? Regras para a tomada de decisões;

? Critérios para distribuição de lucros e prejuízos;

? Medidas de Governança Corporativa;

? Regras para vendas e transferências de ações;

? Regras para aumentar a participação de quem já é acionista;

? Regras para diluir a participação de quem já é acionista;

? Resolução de impasse entre os acionistas.

 

Além disso, é importante que o acordo estabeleça critérios para a divisão de lucros e prejuízos, bem como regras para vendas e transferências de ações (Tag Along e Drag Along).

 

Como é feito um acordo de acionistas?

 

O documento deve ser elaborado de acordo com as cláusulas citadas no contrato, mas também é possível acrescentar outros elementos conforme a necessidade de cada companhia. Após a elaboração e aprovação entre os acionistas, para ter validade, o acordo precisa ser arquivado na sede da empresa e averbado no livro de registros de ações.

A MP 1.108/2022 trouxe a legalização do trabalho híbrido.

A MP 1.108/2022, publicada nesta semana, trouxe a modernização legislativa de forma mais rápida que o histórico que temos em se tratando dos avanços culturais nas leis trabalhistas.

 

Há quem goste, há quem desgoste, mas a verdade é que o trabalho híbrido já estava em pleno vapor na maior parte das empresas, especialmente nos seus setores corporativos, onde o trabalho remoto é viável e factível.

 

Com esta nova MP saímos do limbo jurídico para todos os casos em que o trabalho remoto não era preponderante na relação de trabalho, também saímos do debate sobre o que é remoto, teletrabalho, home office, anyway office etc.

 

O texto da MP expressamente igualou teletrabalho e trabalho remoto, como expressões com sentido similar, mantendo a definição de que se trata de modalidade de trabalho prestado fora das dependências do empregador com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não se configure como trabalho externo.

 

Em resumo simples: trabalho remoto/teletrabalho é gênero. Home office é espécie.

 

Mas “inovou” (ainda que na prática não seja nenhuma novidade nesta pandemia) ao prever que a prestação de serviços remotamente pode ser realizada de maneira preponderante ou não, resultando na validação do modelo híbrido de trabalho.

 

Agora atenção que veio junto uma pegadinha: alterou a redação do inciso III ao artigo 62 da CLT, passando a ser obrigatório o controle de jornada para o teletrabalho/remoto, exceto quando os empregados prestarem serviços por produção ou tarefa. Do ponto de vista de saúde mental, o povo agradece, aliás.

 

Ou seja, restringiu a exceção de ausência de controle de jornada apenas para os contratos que são remunerados por produção ou tarefas, e aí teremos outras realidades de debates de como seriam estes contratos, pois a MP expressamente diferenciou as categorias: por jornada, por produção e por tarefa.

 

Como sabemos, uma MP tem vigência de 60 dias, prorrogáveis por mais 60, nos dando como resultado uma vida útil certa de 120 dias para a nova legislação trazida pela medida. Depois disso, ou é transformada definitivamente em lei ou perde a validade, o que, no cenário político atual e em ano de eleição, é impossível prever para que lado o congresso vai e se vai...

 

Mas não há por que não aproveitarmos as novidades da MP e que sejamos felizes enquanto dure: os contratos firmados com novas regras durante a vigência da MP são atos jurídicos perfeitos e legais e ainda serão válidos após sua vigência.

Destituição de administrador de companhia aberta de economia mista

Tal destituição constitui violação da Lei das Empresas Estatais por abuso de poder, e mais: sem pré-aviso; sem explicação; sem justificação, sem ouvi-lo; sem direito ao contraditório; sem direito de defesa; sem justa causa; sem direito à indenização; insuscetível de judicialização, por se tratar de um “direito potestativo” (para alguns, “direito absoluto”) do controlador, salvo se houver prova de vício formal, inobstante possa a destituição vir a constituir-se em flagrante abuso de direito e venha a causar irreparáveis danos morais e patrimoniais ao defenestrado.

 

Georges Ripert e René Roblot (Traité Élémentaire de Droit Commercial, 10a. ed., tome I, p. 783) afirmam que “la règre est mauvaise” (“a regra é má” em uma tradução literal), isto é, “apresenta uma imperfeição essencial” (em uma tradução  técnica, consoante Le Petit  Robert – Dictionnaire de la Langue Française, p. 1.591), resquício da concepção contratual da sociedade anônima, que o considera um “mandatário revogável”, lição, acrescento, calcada no Código Comercial francês de 1807, art. 31.º.

 

Na Europa, alguns países, após severa revisão crítica da matéria, mudaram de orientação, como, por exemplo, a Alemanha, na AktG, no § 84 (3), só permite a destituição  por “justa causa”, ou melhor, “justa causa relevante”, e, ademais, estabelece que ela deve ser fundamentada em causas objetivas, tais como, v.g., violação grave dos deveres a que o administrador está adstrito, incapacidade para cumprir suas funções e perda da confiança da assembleia geral; se não restar provada justa causa pela companhia, a destituição será declarada ineficaz e o administrador reassumirá o seu cargo.

 

Na França, a norma do art. L. 225-18 do Código de Comercio é de ordem pública e a demissão ou revogação (“démission ou révocation”) ad nutum, direito absoluto da assembleia geral; todavia, a jurisprudência tem conferido ao administrador direito à indenização se ficar provado que a revogação foi precipitada ou com circunstâncias injuriosas ou vexatórias, que prejudiquem a sua reputação (CA Paris, 30.06.2.016, in Rev. Soc. 2.016, p. 743).

 

Ademais, na anônima francesa com diretoria e conselho de vigilância, o administrador tem direito à indenização na falta de justo motivo (“juste motive”) (Code de Commerce, art. L. 225-61), sobrelevando notar que Corte de Cassação reputa abusiva a destituição sem que se confira ao administrador o direito ao contraditório e à ampla defesa (Cass. Com., 14.05.2.013, nº 11-22-845, préc. nº 11, entre outros).

 

Em Portugal, vigora a livre revogabilidade (Código das Sociedades Comerciais, art. 403º/15), mas, se não caracterizada a justa causa, definida no CSC, art. 403º/4, o administrador tem direito a ser indenizado (CSC, art. 403º/5); em se tratando de membro do conselho fiscal (CSC, art. 419º/1) ou da comissão de auditoria (CSC, art. 423º E/1), só é possível destituição por justa causa.

 

Na Itália, a destituição, embora possa ocorrer a qualquer tempo, dá direito à indenização na ausência de justa causa (Codice Civile de 1.942, art. 2.383º/3).

 

No Brasil, na esteira de doutrina pacífica, o administrador de companhia fechada ou aberta é demissível ad nutum, em qualquer assembleia geral de acionistas, sem aviso-prévio, sem esclarecimento, sem justificativa verbal ou por escrito, sem direito à reparação civil, sem que possa recorrer ao Judiciário.

 

À vista do art. 14, II, da Lei nº 13.303, de 2016 (Lei das Empresas Estatais – LEE), o administrador de companhia aberta de economia mista, que demonstrou preencher os muito rigorosos requisitos do art. 17 da LEE, legitimamente eleito, legalmente empossado, no exercício pleno de suas relevantes funções e complexas atribuições, independente e autônomo, que deu mostras cabais de servir com diligência e lealdade à companhia e a seus acionistas, é demissível a qualquer tempo, sem justa causa e sem direito de pleitear o ressarcimento dos danos morais e materiais que sofreu?

 

Primeiro, frise-se, a destituição ad nutum é anacrônica, obsoleta, retrógrada, herança do Código Comercial francês de 1.807, art. 31º, assaz criticada pela doutrina do país; é um cutelo, mantido pelo controlador, sobre a “cabeça” do administrador, para constranger, intimidar e tolher o exercício independente de seu cargo, funções e atribuições; é uma inequívoca demonstração de que, apesar da propalada “democratização das sociedades anônimas”, o controlador pode atuar como “patrão absoluto” (Pailusseau), que não deve e não “presta contas a ninguém” (Champaud) (citados pelo mestre Modesto Carvalhosa, Com., 4ª. ed., 2º. Vol., p. 489).

 

Segundo, anote-se, ciente e consciente do insaciável “apetite” do Executivo de interferir nas empresas públicas, o legislador da LEE, através da norma cogente do art. 14, inc. II, criou o dever de o acionista controlador “preservar a independência do conselho de administração no exercício de suas funções”.

 

Terceiro, destituição desse jaez destrói a confiança dos investidores nacionais e estrangeiros na companhia, sobretudo os institucionais; provoca substancial perda de valor de mercado da companhia e, em consequência, expressiva redução do valor bursatil das ações dos minoritários, e abala o mercado de capitais do país.

 

A resposta: a destituição de administrador de companhia aberta de economia mista exclusivamente por ele manter-se fiel ao princípio da independência funcional e por negar-se a obedecer às ordens do acionista controlador, constitui violação da LEE por abuso de poder, na modalidade de desvio de poder ou de finalidade, desvio que se caracteriza, consoante doutrina o preclaro Fábio Konder Comparato, “… pela elusão de disposições imperativas, pela sua observância meramente aparente, frustrando-se a finalidade da norma” (O poder de controle na SA, Forense, 4ª. ed., p. 382, nº 118), isto é, não conseguindo “vergá-lo”, demite-o, na assembleia geral, em estrita observância da forma, mas, em indisfarçável ofensa ao espírito da lei, à finalidade da norma.

Considerações sobre o plano alternativo dos credores

A reforma ocorrida em dezembro de 2020 na Lei de Recuperação de Empresas e Falências (Lei 11.101/2005) incluiu no sistema concursal brasileiro a possibilidade de credores de uma empresa em recuperação judicial apresentarem um plano de reorganização alternativo ao plano apresentado pelo devedor em duas hipóteses: (i) se o plano do devedor não for submetido a votação até o final do período de suspensão das execuções (chamado de stay period); ou (ii) como alternativa à liquidação, se os credores não aprovarem o plano da companhia na Assembleia de Credores.

 

Além das hipóteses restritas que autorizam a apresentação do plano de recuperação pelos credores, este somente poderá ser submetido a votação se atender certos requisitos cumulativos, quais sejam, (i) apoio de 25% do total de créditos sujeitos à recuperação judicial ou de 35% do total de créditos presentes na Assembleia de Credores em que o plano da devedora tiver sido rejeitado; (ii) não impor novas obrigações à sociedade e aos seus sócios e acionistas, ou conduzi-los a situação pior do que em caso de liquidação; e (iii) desistência, pelos credores que apoiarem o plano, das garantias pessoais relativas aos créditos a serem novados pelo plano.

 

Ao possibilitar aos credores a apresentação de um plano de recuperação judicial alternativo, a lei lhes confere um poder maior de barganha nas negociações com a recuperanda, já que a ameaça da falência iminente desta não mais estará pairando sobre suas cabeças se os credores decidirem rejeitar o plano de recuperação judicial apresentado pela devedora. Tem-se aí uma forma de forçar a devedora a melhorar a proposta que fará aos credores, pois estes podem se unir para rejeitar o plano apresentado pela empresa e optarem por preparar seu próprio plano.

 

Assim, nos parece que a possibilidade de apresentação de plano alternativo pelos credores representa notável avanço no sistema concursal brasileiro ao promover o equilíbrio das negociações entre credores e empresas em recuperação judicial, em linha com o princípio da preservação da empresa.

 

Mas, esta novidade suscita algumas indagações sobre as quais vale a pena refletir.

 

De início, determinar se o plano alternativo levaria os sócios e acionistas a uma condição pior do que um processo de liquidação da empresa devedora pode não ser tão fácil de avaliar na prática. Nesse passo, o artigo 56, §7º da Lei 11.101/2005 estabelece que o plano apresentado por credores pode prever a conversão da dívida em capital, mesmo quando tal transação resultar em mudanças no controle da empresa, o que autorizaria o sócio ou acionista a exercer o seu direito de retirada.

 

No entanto, a lei não especifica sob quais condições se daria esta retirada, quando e como eles receberiam o valor equivalente por suas ações, qual seria este valor e etc. O detalhamento de tais considerações é extremamente relevante, pois a ausência de regras claras pode ensejar intermináveis disputas entre credores e sócios e acionistas dissidentes quando da aplicação da nova norma, especialmente nos casos que envolverem controladores ou detentores de parcela relevante do capital da empresa em crise.

 

Há mais uma particularidade referente ao plano dos credores que, a nosso sentir, merece destaque: se os sócios e acionistas da empresa devedora forem também credores, eles poderão votar no plano de reorganização alternativo apresentado pelos credores?

 

À primeira vista, a resposta seria não, uma vez que o art. 43 da Lei 11.101/2005 estabelece expressamente que “os sócios do devedor, bem como as sociedades afiliadas, controladores, entidades controladas ou que tenham sócio ou acionista com participação superior a 10% (dez por cento) do capital social do devedor ouem que o devedor ou um de seus sócios detenha mais de 10% (dez por cento) do capital social, poderão participar da assembleia geral de credores, sem direito a voto e não será considerada para efeito de verificação do quorum de instalação ou para deliberação.”

 

Tal vedação, claramente, visa a evitar um conflito de interesses óbvio, impossibilitando que sócios e acionistas votem no plano de recuperação judicial que eles próprios ajudaram a preparar. Nas palavras do prof. Fabio Ulhôa Coelho, “A restrição ao direito de voto, nos casos do art. 43 da Lei Especial, tem sentido para impedir o favorecimento descabido da recuperanda com votos a favor de seu plano (…)."

 

Além disso, parece-nos que as restrições impostas na lei ao plano dos credores, mencionadas acima, especialmente a liberação de garantias pessoais e a proibição de imputação de novas obrigações à sociedade e aos seus acionistas, bem como impossibilidade de imputar-lhes situação pior que teriam no cenário de falência, têm como objetivo proteger a empresa devedora e seus sócios e acionistas contra planos abusivos – ou mesmo vingativos – propostos como alternativa à liquidação. Tal assertiva também poderia fundamentar a conclusão de que os sócios e acionistas continuam impedidos de votar o plano dos credores, porquanto seus direitos mínimos já estariam protegidos de antemão pela lei.

 

Todavia, também nos parece defensável que a vedação imposta no artigo 43 não faria sentido no caso de o plano ter sido proposto pelos credores, pois nessa hipótese o conflito de interesses que o referido artigo visa a coibir não existiria.

 

Tampouco há na lei qualquer menção à possibilidade de a devedora vetar o referido plano alternativo ou, ao menos, se manifestar quanto ao seu conteúdo, embora seja dela a obrigação de cumprir as medidas nele impostas, o que poderia justificar a possibilidade dos sócios e acionistas se insurgirem contra o plano alternativo por meio do voto contrário à sua aprovação, principalmente quando os sócios e acionistas também forem credores da empresa recuperanda.

 

A análise deste ponto será particularmente importante no caso da recuperação judicial da Samarco, uma vez que suas acionistas juntas detém quase 50% do valor dos créditos da classe de credores quirografários, tendo evidente interesse, na qualidade de credoras, em votar o eventual plano alternativo apresentado pelos credores.

 

A falência de uma empresa em crise financeira, em regra, não é uma boa solução, tanto para a própria empresa quanto para seus sócios, acionistas, funcionários, credores e demais partes envolvidas em um processo de reestruturação de dívida, especialmente quando a atividade empresarial ainda é viável; partindo dessa premissa, a inclusão da possibilidade de apresentação de um plano pelos credores como alternativa à liquidação nos parece salutar.

 

No entanto, melhor seria que o legislador tivesse esclarecido se a vedação do artigo 43 também se aplica a planos propostos por credores, especialmente no quando os sócios ou acionistas da devedora são credores desta, e quais poderes teria a devedora contra as medidas impostas no plano alternativo, pois a mera determinação de que tal plano não pode levar a empresa e/ou seus sócios e acionistas a uma situação pior do que a que enfrentariam no caso de falência revela-se insuficiente, a nosso sentir.

 

A depender dos termos do plano alternativo apresentado pelos credores, ele pode ter o apoio dos sócios e acionistas da empresa devedora, na qualidade de credores defendendo seu direito individual de crédito, o que não nos parece causar conflito ou configurar qualquer tipo de ilicitude. Se os sócios e acionistas conseguirão votar em tal plano, entretanto, é uma questão que somente a jurisprudência será capaz de responder durante a aplicação das novas disposições da Lei 11.101/2005.

Entenda como funciona a Lei de Recuperação de Empresas e Falências

A Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 (Lei de Recuperação de Empresas e Falência, a LREF), é a norma básica sobre recuperação judicial, recuperação extrajudicial e falência dos empresários e das sociedades empresárias.

 

Em linhas gerais, representa nova etapa na evolução do regime jurídico de insolvência empresarial.  Sob a norma anterior (Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945), o único mecanismo visando à superação da crise econômico-financeira temporária do devedor era a concordata – essencialmente, uma moratória sujeita a condições predefinidas de pagamento e imposta aos credores.  Constatada a ineficiência da concordata, a LREF substituiu-a pelas figuras da recuperação judicial e da recuperação extrajudicial, procedimentos que promovem a solução negociada entre devedor e credores com o objetivo de viabilizar a continuidade da empresa.

 

O devedor prepara e negocia um plano de recuperação, que precisa ser aprovado pela maioria dos credores afetados, segundo certos quóruns previstos na LREF.  Diversos instrumentos podem ser – e comumente são – contemplados no plano, tais como desconto e parcelamento de dívidas, obtenção de novos financiamentos, alienação de ativos e restruturações societárias do devedor.

 

Deve ser decretada a falência da empresa cuja recuperação é inviável.  A falência é grosso modo um procedimento de liquidação por meio do qual todos os ativos do devedor são arrecadados e vendidos para pagamento dos credores seguindo uma ordem de prioridades; busca-se também, entre outros objetivos, regular os efeitos da quebra perante terceiros e apurar eventuais responsabilidades por atos fraudulentos ou lesivos aos interesses dos credores.

 

O que muda com as alterações recentes na Lei de Recuperação Judicial de Empresas e Falências?

 

A Lei nº 14.112, de 24 de dezembro de 2020, promoveu diversas alterações na LREF com vistas a atualizá-la diante da evolução da jurisprudência e a regular temas que até então não encontravam a devida disciplina.  As principais alterações são expostas a seguir; os dispositivos em parênteses são os da LREF, conforme redação da Lei nº 14.112/20.

 

Recuperação judicial

 

Sob a LREF (arts. 35, I, 41 e 45), o plano de recuperação judicial deve ser deliberado por uma assembleia de credores, organizados em 4 classes: trabalhistas; credores com garantia real (penhor, hipoteca, etc.); credores quirografários (sem garantia real); e microempresas e empresas de pequeno porte.  Se aprovado, dá-se alteração nos valores e formas de pagamento dos créditos nos termos estabelecidos pelo plano (novação – art. 59); a rejeição, por sua vez, acarreta a convolação da recuperação em falência (art. 73, III).

Com a Lei nº 14.112/20, foram introduzidas mudanças relevantes na dinâmica de deliberação e aprovação do plano, podendo-se destacar: (i) permite-se aos credores apresentar plano alternativo caso o do devedor seja rejeitado ou o devedor tenha deixado de apresentá-lo no prazo (arts. 6º, § 4º-A, e 56, §§ 4º a 6º); (ii) a realização da assembleia pode ser dispensada caso sejam apresentados termos de adesão comprovando a concordância de credores representativos do quórum necessário para a aprovação (arts. 39, § 4º, I, 45-A e 56-A); e (iii) é tido por abusivo, e portanto nulo, o voto exercido pelo credor para obter vantagem ilícita para si ou para outrem (art. 39, § 6º).

 

Esse último ponto merece maior reflexão.  Mesmo antes da Lei nº 14.112/20, tribunais já vinham por vezes descartando votos contrários ao plano sob o fundamento de abusividade; e o faziam não pelo voto em si mas com o propósito claro de viabilizar o atingimento do quórum de aprovação (não raro recorrendo ao chamado “cram down” previsto no art. 58, § 1º, da LREF – mecanismo pelo qual o juízo pode conceder à força a recuperação judicial mesmo que o quórum de aprovação não tenha sido atingido, contanto que atingido quórum “subsidiário”).

 

Todavia, o credor não é um acionista ou um parceiro do devedor: ele não aceitou voluntariamente a submissão do crédito aos efeitos da recuperação judicial; pode lhe ser racional a decisão de votar contra o plano porque (a) pretende submeter plano alternativo (como a LREF agora faculta) ou (b) antevê que seu crédito será pago em condições mais vantajosas numa falência.

 

A linguagem agora presente no art. 39, § 6º, da LREF é vaga: se por um lado se reconhece que o voto do credor é exercido “no seu interesse e de acordo com o seu juízo de conveniência”, por outro o voto será tido por abusivo se a finalidade do credor for “obter vantagem ilícita” – sem que se tenha delimitado que ilicitude seria essa.  Em que pesem os esforços do legislador para nortear a discussão, persiste o risco de que magistrados descartem votos legítimos a fim de garantir artificialmente a sobrevivência duma empresa cujos credores rejeitaram o plano de forma massiva.

 

Passou a ser incentivado o uso de métodos alternativos de resolução de disputas, como a conciliação e a mediação (arts. 20-A e 20-B). Antes ou no curso do procedimento de recuperação judicial, é facultada a sua realização com o objetivo de dirimir disputas entre os sócios da empresa devedora, disputas com credores que não estão sujeitos à recuperação judicial, conflitos entre concessionárias ou permissionárias de serviços públicos e os respectivos órgãos reguladores, renegociação de dívidas antes do ingresso do pedido de recuperação, entre outros.

 

Foram reguladas também situações que já vinham sendo admitidas de modo pacífico pela jurisprudência em casos de grupos econômicos: a inclusão de diferentes empresas do grupo no polo ativo de um mesmo processo (consolidação processual – arts. 69-G a 69-I) e, mais que isso, a unificação dos próprios ativos e passivos das empresas como se fossem um só devedor para efeitos de elaboração e votação de plano único de recuperação (consolidação substancial – arts. 69-J a 69-L).

 

A consolidação substancial é particularmente útil ao grupo devedor porque reduz o poder de barganha dos credores mais relevantes na negociação do plano: se eles antes seriam capazes de influenciar o desfecho do plano de uma dada sociedade do grupo devedor (por vezes com garantias cruzadas perante as demais, criando assim risco para o grupo todo), essa influência é diluída quando o credor é obrigado a fazer parte de um universo maior de credores.  Ademais, os credores têm capacidade limitada de oposição, já que cabe ao juízo decidir – e não a eles deliberar – a concessão da consolidação substancial (art. 69-J).

 

A Lei nº 14.112/20 buscou também facilitar a obtenção de crédito novo pelo devedor em recuperação judicial (o chamado “debtor-in-possession financing” ou simplesmente “DIP financing” – arts. 69-A a 69-F) mediante um ambiente mais seguro para o financiador: (i) permitiu a concessão de ativos do devedor em garantia a financiamentos; (ii) resguardou as garantias e condições originais pactuadas, mesmo no caso de subsequente reforma da decisão que autorizara a operação (desde que o financiador esteja de boa-fé e os recursos já tenham sido destinados ao devedor); e (iii) permitiu a criação de garantias de segundo grau, ou seja, subordinadas ao prévio pagamento do detentor da garantia original e restritas a eventual saldo após tal pagamento.

 

Do ponto de vista tributário, algumas alterações significativas foram implementadas com o objetivo de, ainda que parcialmente, sanar críticas e questionamentos recorrentes acerca do tratamento dos descontos obtidos pelo devedor para pagamento de suas dívidas, que segundo a legislação fiscal são tratadas como receitas e sujeitas a tributação.

 

O art. 50-A passou a prever que essas receitas originadas dos descontos obtidos com a negociação do plano de recuperação judicial: (i) não integram a base de cálculo da Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); e (ii) podem ser integralmente compensadas com prejuízos acumulados, não se sujeitando, para apuração do lucro real, ao limite de 30% (trinta por cento) previsto na legislação.

 

No entanto, alguns pontos usualmente criticados da lei permaneceram inalterados: (i) exigência de certidão negativa de tributos como condição para a concessão da recuperação judicial (a exigência é costumeiramente é dispensada pela jurisprudência por inviabilizar na prática a recuperação); e (ii) impossibilidade de transferência do prejuízo fiscal acumulado a terceiros.

 

Por fim, alterações pontuais foram introduzidas na LREF sobre: (i) suspensão do trâmite de ações e execuções individuais promovidas pelos credores após o deferimento do processamento da recuperação judicial (art. 6º, § 4º); (ii) competência para determinar o bloqueio de bens do devedor durante esse procedimento (art. 6º, §§ 7º-A e 7º-B); (iii) impossibilidade de distribuição de lucros e dividendos (art. 6º-A); (iv) possibilidade de análise preliminar por perito judicial para avaliar reais condições de funcionamento do devedor e da regularidade e da completude da documentação apresentada (art. 51-A); e (iv) ampliação da isenção de responsabilidade do adquirente de ativos do devedor por débitos do devedor (não-sucessão – arts. 50, § 3º, 60, parágrafo único, 66, § 3º, e 141, II).

 

Recuperação extrajudicial

 

A recuperação extrajudicial foi criada pela LREF como uma forma de negociação entre o devedor e credores de apenas uma ou algumas classes, conduzida e concluída fora do âmbito do Judiciário, mas que diante da presença de certos requisitos pode ser levada para homologação judicial com o objetivo de vincular credores da(s) classe(s) abrangida(s), os quais não aderiram aos termos negociados.

 

As principais modificações da LREF pela Lei nº 14.112/20 foram as seguintes: (i) o plano pode vincular todos os credores por ele abrangidos desde que aprovado por credores representativos de metade da respectiva classe (art. 163, caput – reduziu-se o quórum original da LREF, que era de 3/5); (ii) o devedor pode submeter o pedido de homologação judicial com apenas 1/3 de aprovação dos credores, desde que comprove nos 90 dias subsequentes a adesão dos demais (art. 163, § 7º); e (iii) com o ingresso do pedido de homologação do plano, suspendem-se as ações e execuções movidas por credores abrangidos por ele (art. 163, § 8º – sob o texto original da LREF, a suspensão só cabia nos casos de recuperação judicial, mas isso vinha sendo estendido pela jurisprudência aos casos de recuperação extrajudicial).

 

Nova Lei de Falências

 

A reforma da LREF reforçou, dentre os objetivos da falência, a busca da célere realização dos ativos e apuração dos passivos, para realocação eficiente de recursos na economia.

 

Assim como na recuperação judicial a verificação dos créditos (existência, classe e valor) é relevante para aferição do quórum de aprovação do plano (e então dos efeitos do plano aprovado sobre cada credor), na falência essa mesma verificação é relevante para estabelecer a ordem de pagamento do passivo: há uma ordem legal de preferências de acordo com a natureza (classe) dos créditos; só há pagamento de uma classe depois que a anterior tiver sido integralmente paga, e os credores da classe recebem rateios proporcionais ao valor de seus créditos dentro de tal classe.

 

Dentre as alterações na LREF a respeito do passivo falimentar, as mais relevantes são: (i) credores têm agora o prazo de 3 anos contados da publicação da sentença decretando a falência para habilitar seus créditos, sob pena de perderem o direito de participar da falência (art. 10, § 10); (ii) as classes de créditos com privilégio geral e especial foram eliminadas e incorporadas à dos créditos quirografários (art. 83, § 6º); (iii) créditos de administradores eram subordinados (i.e., pagos em último lugar), mas agora só são enquadrados assim caso a contratação não tenha observado condições comutativas e práticas de mercado (art. 83, VIII); e (iv) créditos cedidos continuam a gozar da mesma classificação original (art. 83, § 5º – isso tende a beneficiar credores preferenciais, como os trabalhistas, os quais terão maior mercado e retorno se optarem por vender seus créditos a terceiros).

 

Quanto à realização mais célere do ativo, a Lei nº 14.112/20 introduziu as seguintes mudanças: (i) o administrador judicial deve apresentar dentro de 60 dias da decretação da falência um plano detalhado de alienação dos ativos (art. 99, § 3º); (ii) as formas de realização do ativo foram flexibilizadas para prever a alienação de bens por meio de: a) leilão eletrônico, presencial ou híbrido; b) processo competitivo promovido por agente especializado; ou c) qualquer outra modalidade aprovada nos termos da lei (art. 142); (iii) adotam-se diretrizes mais dinâmicas para a venda do ativo: a) dado o caráter forçado da venda, ela prossegue ainda que a conjuntura de mercado seja desfavorável; b) a venda deve ser feita em até 180 dias da arrecadação do ativo; e c) não se aplica o conceito de preço vil, i.e, deixa de haver valor mínimo de venda (art. 142, § 2º-A); (iv) em caso de insucesso na venda e desinteresse dos credores, bens podem ser considerados sem valor de mercado e doados ou devolvidos ao falido (art. 144-A); e (v) impugnações à realização do ativo, caso fundadas no valor da alienação, somente são admitidas se o impugnante apresentar oferta própria ou de terceiro para comprar por valor superior (art. 143, § 1º).

 

Alteraram-se ainda as regras para extinção das obrigações do falido, reduzindo requisitos necessários para se obter a declaração judicial de extinção das obrigações (art. 158).

 

Por fim, passou a ser permitido o encerramento sumário da falência caso não sejam encontrados bens passíveis de arrecadação, ou se insuficientes às despesas do processo (art. 114-A).

 

Insolvência transnacional

 

À medida que a economia brasileira se internacionalizou nas últimas décadas, mais empresas locais passaram a ter créditos e dívidas no exterior.  Tal como originalmente promulgada, porém, a LREF não previu mecanismos para cooperação entre o Judiciário brasileiro e o de outros países.

 

Essa lacuna mostrou-se danosa em recuperações judiciais de empresas brasileiras com parte substancial do passivo em mãos de credores estrangeiros – algumas até mesmo tendo usado subsidiárias não-operacionais sediadas no exterior para captar recursos fora do país.  A falta de regras tornava incerto, por exemplo, se as subsidiárias estrangeiras e as matrizes brasileiras poderiam ajuizar um só processo de recuperação no Brasil, ou se seria possível ao Judiciário brasileiro emitir ordens relativas a ativos dos devedores localizados noutros países.

 

A Lei nº 14.112/20 eliminou essa lacuna, criando um regramento próprio para os casos de insolvência transnacional que está em linha com a prática internacional.  Esse regramento é inspirado na chamada “lei modelo” publicada pela UNCITRAL em 1997 (a “UNCITRAL Model Law on Cross-Border Insolvency (1997)”).  A UNCITRAL é a comissão da Organização das Nações Unidas dedicada ao direito do comércio internacional; sua “lei modelo” é uma sugestão de regramento que os países são incentivados (mas não obrigados) a transformar em legislação interna com vistas a padronizar os regimes de insolvência transnacional e, assim, dar mais segurança aos investimentos transfronteiriços.

 

O regramento da insolvência transnacional está no capitulo VI-A da LREF (arts. 167-A a 167-Y).  Em linhas gerais, são previstas regras para: (i) permitir ao representante de uma empresa em processo de insolvência no exterior requerer a falência no Brasil ou atuar em procedimentos de recuperação judicial ou falência que aqui tramitem, possibilitando assim o acesso direto e evitando o uso de meios morosos de cooperação (como cartas rogatórias, por exemplo); (ii) resguardar a paridade de tratamento entre credores nacionais e estrangeiros e respeitar a ordem de preferência de créditos prevista na LREF (exceto quando se tratar de créditos estrangeiros de origem tributária, previdenciária ou relativa a sanções penais ou administrativas, hipótese em que serão considerados subordinados na falência); (iii) havendo processos de insolvência concorrentes no Brasil e noutra jurisdição, definir qual é o principal (“main proceedings”) conforme o local onde o devedor tenha seu centro de  interesses principais (“center of main interests”), o que tem por efeito prático definir se caberá ao Judiciário brasileiro o papel de coordenar e supervisionar a insolvência transnacional como um todo; (iv) reconhecido um procedimento principal de insolvência no exterior, impedir a prática de atos de constrição de bens do devedor localizados no Brasil e praticar outros atos conforme definidos no processo principal; e (iv) viabilizar a cooperação entre os diferentes juízos para a liquidação de ativos e pagamento coordenado dos credores.

 

As modificações à LREF introduzidas pela Lei nº 14.112/20 contribuem para a modernização do regime jurídico de insolvência emprsarial, agilizando e desburocratizando os procedimentos de recuperaçao judicial, recuperação extrajudicial e falência.  A reforma é um passo na direção certa da celeridade e da efetividade, mas o problema da insegurança jurídica só será superado com a efetiva aderência dos tribunais às regras novas e antigas da lei – aderência essa que por vezes vem sendo deixada em segundo plano no âmbito das recuperações judiciais, com decisões que a pretexto de promover o princípio da preservação da empresa (art. 47) adotam entendimentos contrários a dispositivos expressos da mesma LREF.

O financiamento da empresa em recuperação judicial

O financiamento do empresário em recuperação judicial no Brasil, imprescindível para a superação da crise econômico-financeira que poderia acometer sua atividade, raramente era realizado por instituições financeiras.

 

Alguns atribuem a ausência de financiamento pelas instituições financeiras diante das recomendações do Comitê de Basiléia para Supervisão Bancária e que foram internalizadas no Brasil. As regras de rating bancário disciplinadas pela Resolução CMN 2.682/99 e da Circular BC 3.648/2013 exigem o provisionamento de 100% do valor para o devedor classificado no nível H, o que será exigido, dentre outros parâmetros, se o devedor não satisfizer suas obrigações por mais de 180 dias (cf. art. 4º, inc. I, da Resolução CMN 2.682/99).

 

Em função desse entendimento, apesar de defendermos que não cabe o agravamento do rating durante o processo de recuperação judicial, até que o plano seja aprovado, há aqueles que pensam diferente.

 

Para estes, o financiamento perde muito valor, porquanto, durante o período de suspensão para a negociação do plano de recuperação judicial, que pode ocorrer por 180 dias prorrogáveis por igual período, mas que na mediana dura 506 dias, o devedor não poderá satisfazer nenhuma das suas obrigações sujeitas ao plano de recuperação judicial, o pedido de recuperação judicial pelo devedor implica imediatamente a sua classificação para H.

 

Diante da grande onerosidade ou mesmo impossibilidade do mútuo por instituições financeiras, já que o montante emprestado deveria gerar provisionamento de 100%, os empresários em recuperação judicial no Brasil somente possuíam duas formas para fomentarem sua atividade.

 

A primeira forma, mais tradicional, promovia o financiamento da atividade do devedor às custas da dilação temporal e do desconto no pagamento dos credores. Esses se submetiam a um plano de recuperação judicial com previsão de pagamento dos credores quirografários, na mediana, em nove anos, com deságio de 59,3%.

 

Ainda que referido plano de recuperação judicial somente tivesse suas obrigações que se vencessem durante o período de dois anos de fiscalização efetivamente cumpridos apenas por 17,5% dos devedores, o plano de recuperação judicial era extensamente aprovado. A aprovação ocorria em 88,4% dos casos, para ser mais exato, conforme análise do NEPI, ainda que a condução da atividade pelo devedor fosse evidentemente inviável, diante da alternativa de decretação da falência.

 

Mesmo que drástica a solução por aprovar um plano de recuperação judicial inviável de um devedor sabidamente ineficiente, a falência era alternativa pior. A liquidação forçada falimentar provocaria um processo em que os credores receberiam apenas 5,8% do que lhes é devido, conforme a ordem de pagamento, e ao menos 15 anos após a decretação da falência.

 

A segunda forma consistia na alienação de estabelecimento empresarial ou bens de forma geral. De acordo com estudo da ABJ/NEPI-PUC, 35% dos planos de recuperação judicial previam, em 2018 e nas varas especializadas da capital de São Paulo, na mediana, a alienação de bens como forma de obtenção de recursos pela companhia.

 

Na prática, entretanto, ambas as formas de financiamento eram insuficientes. O devedor que previa a venda da UPI somente conseguia efetivamente realizá-la em 38,7% dos casos.

Por seu turno, o financiamento da atividade às custas dos próprios credores também era insuficiente pois não injetava novos recursos financeiros na recuperanda, além de afastar seus parceiros comerciais imprescindíveis às novas contratações para o desenvolvimento da atividade.

 

Como consequência, percentual diminuto das recuperandas, de 24,4%, conseguia demonstrar o cumprimento das obrigações previstas no plano e vencidas nos dois anos iniciais do período de fiscalização de modo a ter a recuperação judicial encerrada. Estudos demonstram que, diante dessa situação, ainda que se investigue apenas aqueles empresários que conseguiram continuar a desenvolver a atividade empresarial, essa foi reduzida em 25% do seu tamanho originário.

 

De forma a incentivar que agentes não financeiros possam financiar a atividade do empresário em recuperação judicial, a Lei 14.112/20 inseriu a Seção IV-A – Do Financiamento do Devedor e do Grupo Devedor durante a Recuperação Judicial. A nova disciplina do instituto nos arts. 69-A a 69-F é imediatamente aplicável, inclusive para os processos em curso, ressalvada a nova classificação dos créditos na falência.

 

Pela nova disciplina legal, o juiz poderá, depois de ouvir o Comitê de Credores, autorizar a celebração de contratos de financiamento garantidos por bens e direitos do ativo não circulante do devedor ou de terceiros. Em interpretação sistemática com o art. 66 da Lei 11.101/05, a cuja redação houve remissão expressa, os financiamentos poderão ser livremente contraídos pelo devedor. Apenas a outorga de garantia sobre bens componentes do ativo não circulante exige autorização judicial e desde que não tenha sido prevista no plano de recuperação judicial aprovado pelos credores.

 

Fora conferida a possibilidade de outorga de garantia subordinada ao financiador. Nos termos do art. 69-C, podem ser conferidas ao financiador garantias reais sobre garantias pré-existentes, excetuadas as garantias fiduciárias previamente outorgadas. Não houve a possibilidade de outorga de garantias prioritárias sobre bens anteriormente garantidos ou a possibilidade de compartilhamento de garantias.

 

Todas essas alterações, nesses termos, apenas consagram interpretações doutrinárias e jurisprudenciais anteriores. Afinal, a oneração de bens do ativo não circulante já era permitida anteriormente, desde que prevista no plano de recuperação judicial ou autorizada judicialmente.

 

Verdadeira inovação, o financiamento poderá ser concedido por qualquer pessoa, inclusive pelos sócios do devedor ou por partes relacionadas. Independentemente de quem foi o financiador, na hipótese de convolação da recuperação judicial em falência, o crédito decorrente do financiamento será considerado como extraconcursal e prioritário em relação aos demais créditos. Referidos créditos decorrentes do financiamento efetivamente desembolsado somente não terão prioridade, na falência, sobre os créditos das despesas indispensáveis à administração da falência e sobre os créditos trabalhistas de natureza salarial vencidos nos três meses que antecederem a quebra, limitados a cinco salários mínimos.

 

A reforma, porém, foi tímida. Os incentivos legais passam pelo desenvolvimento de uma indústria financeira, com múltiplos agentes competindo entre si para fomentar a atividade empresarial. Nesses termos, como forma de estimular as instituições financeiras a participarem desse mercado, o período de suspensão das obrigações para negociação do plano de recuperação judicial não deveria mesmo ser considerado como inadimplemento a ponto de obrigar, somente por tal premissa, a deterioração do rating e a majoração do provisionamento bancário. Afinal, como se denota do § 3º do art. 8º da Resolução nº 2.682 do BC, “renegociação” significa “a composição de dívida, a prorrogação, a novação, a concessão de nova operação para liquidação parcial ou integral de operação anterior ou qualquer outro tipo de acordo que implique na alteração nos prazos de vencimento ou nas condições de pagamento originalmente pactuadas”.

 

Em outras palavras, praticamente qualquer tipo de modificação das obrigações inicialmente avençadas entre credor (instituição bancária) e devedor (tomador de crédito) será considerada um ato de “renegociação” que exime a instituição financeira de agravar o rating de risco. Trazendo essa disciplina para os processos de recuperação judicial, é mesmo provável que grande parte dos casos concretos acabem sendo enquadrados na hipótese do art. 8º da Resolução nº 2.682. A suspensão das obrigações durante o processo de recuperação judicial, ao menos até a novação representada no Plano de Recuperação Judicial, tem por finalidade viabilizar a negociação de novas bases que serão refletidas em eventual aditamento ao plano de soerguimento do devedor.

 

Atualmente, pouco se vê a participação de grandes instituições financeiras nesse mercado de financiamento do devedor em recuperação judicial. Trata-se de um mercado ainda visto como de alto risco, estimulado mais pela perspectiva de maior rentabilidade. Com efeito, o dinheiro novo continua a ser muito caro para as empresas em recuperação judicial, embora já se observe um maior crescimento do mercado por conta das alterações promovidas pela Lei 14.112/20. Talvez por conta de uma preferência maior, embora tímida, no cenário de falência (antes em último na ordem de preferência dos credores extraconcursais, agora em segundo lugar – art. 84, I-B, da Lei 11.101/05), e de uma maior mitigação do risco do financiador pela pendência de recursos interpostos da decisão que autoriza a oneração de bens do ativo não circulante (art. 69-B). O caso Samarco, aliás, é um exemplo que se observa com proposta recente de financiamento já a par da alteração legislativa.

 

Portanto, de forma a permitir maior ingresso das instituições financeiras nesse mercado, cabe ao BC aplicar a melhor interpretação da norma e assegurar um ambiente mais salutar para investimentos nas empresas que passam por essa difícil fase de soerguimento financeiro. Até porque, para além da reforma legislativa, a oferta de crédito é dependente de cenário econômico favorável.

 

Ambiente econômico estável, com múltiplos agentes e juros baixos exigem que os investidores busquem fontes alternativas e mais rentáveis de investimento, o que assegurará o financiamento imprescindível para que o empresário em recuperação judicial consiga superar a crise econômico-financeira que acomete a sua atividade.

Porto Alegre - RS

R Adão Baino, n 146 - Porto Alegre/RS.

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