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Notícia em 15/03/2022
Tal destituição constitui violação da Lei das Empresas Estatais por abuso de poder, e mais: sem pré-aviso; sem explicação; sem justificação, sem ouvi-lo; sem direito ao contraditório; sem direito de defesa; sem justa causa; sem direito à indenização; insuscetível de judicialização, por se tratar de um “direito potestativo” (para alguns, “direito absoluto”) do controlador, salvo se houver prova de vício formal, inobstante possa a destituição vir a constituir-se em flagrante abuso de direito e venha a causar irreparáveis danos morais e patrimoniais ao defenestrado.
Georges Ripert e René Roblot (Traité Élémentaire de Droit Commercial, 10a. ed., tome I, p. 783) afirmam que “la règre est mauvaise” (“a regra é má” em uma tradução literal), isto é, “apresenta uma imperfeição essencial” (em uma tradução técnica, consoante Le Petit Robert – Dictionnaire de la Langue Française, p. 1.591), resquício da concepção contratual da sociedade anônima, que o considera um “mandatário revogável”, lição, acrescento, calcada no Código Comercial francês de 1807, art. 31.º.
Na Europa, alguns países, após severa revisão crítica da matéria, mudaram de orientação, como, por exemplo, a Alemanha, na AktG, no § 84 (3), só permite a destituição por “justa causa”, ou melhor, “justa causa relevante”, e, ademais, estabelece que ela deve ser fundamentada em causas objetivas, tais como, v.g., violação grave dos deveres a que o administrador está adstrito, incapacidade para cumprir suas funções e perda da confiança da assembleia geral; se não restar provada justa causa pela companhia, a destituição será declarada ineficaz e o administrador reassumirá o seu cargo.
Na França, a norma do art. L. 225-18 do Código de Comercio é de ordem pública e a demissão ou revogação (“démission ou révocation”) ad nutum, direito absoluto da assembleia geral; todavia, a jurisprudência tem conferido ao administrador direito à indenização se ficar provado que a revogação foi precipitada ou com circunstâncias injuriosas ou vexatórias, que prejudiquem a sua reputação (CA Paris, 30.06.2.016, in Rev. Soc. 2.016, p. 743).
Ademais, na anônima francesa com diretoria e conselho de vigilância, o administrador tem direito à indenização na falta de justo motivo (“juste motive”) (Code de Commerce, art. L. 225-61), sobrelevando notar que Corte de Cassação reputa abusiva a destituição sem que se confira ao administrador o direito ao contraditório e à ampla defesa (Cass. Com., 14.05.2.013, nº 11-22-845, préc. nº 11, entre outros).
Em Portugal, vigora a livre revogabilidade (Código das Sociedades Comerciais, art. 403º/15), mas, se não caracterizada a justa causa, definida no CSC, art. 403º/4, o administrador tem direito a ser indenizado (CSC, art. 403º/5); em se tratando de membro do conselho fiscal (CSC, art. 419º/1) ou da comissão de auditoria (CSC, art. 423º E/1), só é possível destituição por justa causa.
Na Itália, a destituição, embora possa ocorrer a qualquer tempo, dá direito à indenização na ausência de justa causa (Codice Civile de 1.942, art. 2.383º/3).
No Brasil, na esteira de doutrina pacífica, o administrador de companhia fechada ou aberta é demissível ad nutum, em qualquer assembleia geral de acionistas, sem aviso-prévio, sem esclarecimento, sem justificativa verbal ou por escrito, sem direito à reparação civil, sem que possa recorrer ao Judiciário.
À vista do art. 14, II, da Lei nº 13.303, de 2016 (Lei das Empresas Estatais – LEE), o administrador de companhia aberta de economia mista, que demonstrou preencher os muito rigorosos requisitos do art. 17 da LEE, legitimamente eleito, legalmente empossado, no exercício pleno de suas relevantes funções e complexas atribuições, independente e autônomo, que deu mostras cabais de servir com diligência e lealdade à companhia e a seus acionistas, é demissível a qualquer tempo, sem justa causa e sem direito de pleitear o ressarcimento dos danos morais e materiais que sofreu?
Primeiro, frise-se, a destituição ad nutum é anacrônica, obsoleta, retrógrada, herança do Código Comercial francês de 1.807, art. 31º, assaz criticada pela doutrina do país; é um cutelo, mantido pelo controlador, sobre a “cabeça” do administrador, para constranger, intimidar e tolher o exercício independente de seu cargo, funções e atribuições; é uma inequívoca demonstração de que, apesar da propalada “democratização das sociedades anônimas”, o controlador pode atuar como “patrão absoluto” (Pailusseau), que não deve e não “presta contas a ninguém” (Champaud) (citados pelo mestre Modesto Carvalhosa, Com., 4ª. ed., 2º. Vol., p. 489).
Segundo, anote-se, ciente e consciente do insaciável “apetite” do Executivo de interferir nas empresas públicas, o legislador da LEE, através da norma cogente do art. 14, inc. II, criou o dever de o acionista controlador “preservar a independência do conselho de administração no exercício de suas funções”.
Terceiro, destituição desse jaez destrói a confiança dos investidores nacionais e estrangeiros na companhia, sobretudo os institucionais; provoca substancial perda de valor de mercado da companhia e, em consequência, expressiva redução do valor bursatil das ações dos minoritários, e abala o mercado de capitais do país.
A resposta: a destituição de administrador de companhia aberta de economia mista exclusivamente por ele manter-se fiel ao princípio da independência funcional e por negar-se a obedecer às ordens do acionista controlador, constitui violação da LEE por abuso de poder, na modalidade de desvio de poder ou de finalidade, desvio que se caracteriza, consoante doutrina o preclaro Fábio Konder Comparato, “… pela elusão de disposições imperativas, pela sua observância meramente aparente, frustrando-se a finalidade da norma” (O poder de controle na SA, Forense, 4ª. ed., p. 382, nº 118), isto é, não conseguindo “vergá-lo”, demite-o, na assembleia geral, em estrita observância da forma, mas, em indisfarçável ofensa ao espírito da lei, à finalidade da norma.
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